No processo penal é obrigatório que o acusado tenha um advogado para defendê-lo. Trata-se de um direito fundamental previsto na Constituição. Se a pessoa não tiver condições de pagar um defensor, o juiz pode nomear um advogado dativo para defendê-la.
Durante os primeiros anos de minha carreira, tive a oportunidade de atuar como advogado dativo em centenas de casos criminais no estado de Goiás. Isso me deu uma visão valiosa sobre a importância da assistência jurídica para garantir o exercício de direitos fundamentais, especialmente para aqueles que não possuem recursos financeiros.
Alguns colegas me procuram para saber se vale a pena atuar como advogado dativo, mesmo eu não exercendo mais essa atividade atualmente. A resposta depende: por um lado, atuar como advogado dativo é uma forma de contribuir socialmente e ajudar pessoas que não têm condições financeiras para pagar um advogado. Por outro lado, há uma série de desafios e problemas relacionados à advocacia dativa, os quais serão abordados aqui.
Este artigo aborda, portanto, alguns dos problemas enfrentados pela advocacia dativa, como a nomeação indiscriminada de advogados dativos para todas as pessoas que alegam não ter condições de contratar advogado em comarcas sem Defensoria Pública.
Não me arrependo de ter atuado em centenas de processos como advogado dativo, pois nesse exercício pude aprender e adquirir experiência na advocacia. Contudo, é importante ressaltar que existem muitas mazelas e sofrimentos no exercício desta função.
De acordo com a Lei, nos casos em que não houver defensoria pública na Comarca, o juiz poderá nomear um advogado para exercer a defesa daqueles que não possuem condições financeiras para contratar um profissional. Nesse caso, o advogado nomeado terá direito a honorários pagos pelo Estado, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB.
Já atuei em processos como advogado dativo em que o juiz não fixou honorários ao final, sendo necessário fazer um requerimento para a fixação dos UHD´S ( Unidades de Honorários Dativos, no Estado de Goiás). Embora o trabalho pro bono (gratuito) seja importante em algumas situações, é preciso lembrar que ninguém trabalha de graça o tempo todo.
É justo e razoável que todo trabalho realizado por um profissional seja devidamente remunerado. Afinal, a advocacia é uma profissão que demanda anos de estudo, especialização e dedicação. Portanto, é fundamental que os advogados dativos recebam honorários condizentes com o trabalho realizado, para que possam exercer sua profissão de forma digna e sustentável.
Foge ao objetivo deste artigo adentrar no mérito da precariedade do pagamento dos honorários advocatícios, principalmente no estado de Goiás. Onde, diga-se de passagem, os pagamentos demoram mais de 5 anos para serem realizados, e os advogados precisam passar por uma fila imensa. Uma verdadeira humilhação. Além disso, há também a utilização política dos pagamentos que curiosamente são liberados às vésperas das eleições ou como façanhas da gestão da Seccional.
De volta ao assunto em pauta, o artigo 264 do Código de Processo Penal estabelece que os advogados são obrigados a prestar assistência aos acusados quando nomeados pelo juiz, salvo em casos especiais. No entanto, a recusa injustificada em prestar assistência jurídica é considerada uma infração disciplinar pela OAB.
É de se questionar se essa obrigação imposta aos advogados não viola a liberdade profissional. Como diz o brocardo latino "a lei é dura, mas é a lei”, porém, a meu ver, não é razoável que um profissional que depende dos recursos de seu ministério seja obrigado a exercer sua função de forma gratuita, violando sua liberdade profissional e dignidade.
A pena imposta para o advogado que se recusa a aceitar a nomeação do juízo sem justificativa é simplesmente a imposição de uma multa. Dura lex sed lex.
Considero inadmissível que um advogado seja multado por não aceitar uma nomeação como advogado dativo. Além de violar a liberdade profissional do advogado, é um abuso de poder, já que o advogado não é obrigado a trabalhar sem remuneração. É uma afronta ao trabalho digno e ao respeito que a advocacia merece como profissão essencial para a garantia dos direitos e da justiça.
Além disso, e mais importante, a nomeação de advogados em comarcas sem Defensoria Pública é realizada em larga escala, bastando que a parte afirme não ter advogado ou não ter contratado um para que o juiz nomeie um advogado dativo.
A nomeação indiscriminada de advogados dativos gera uma distorção no mercado da advocacia, já que muitos potenciais clientes deixam de contratar advogados particulares por acreditar que serão nomeados dativos de qualquer maneira.
A questão é a seguinte: Por que o acusado deveria contratar um advogado privado, pagando os honorários, se será obrigatoriamente nomeado um advogado dativo?
É preciso que a nomeação de advogados dativos seja excepcional, criteriosa e bem selecionada, sob o risco de prejudicar o exercício da advocacia. Deste modo, a nomeação aleatória de advogados dativos contribui para a desvalorização da advocacia perante os profissionais recém-chegados à área, já que muitos jovens advogados passam a enxergar o exercício da advocacia como uma atividade pouco rentável e pouco valorizada.
É verdade que o artigo 263 do Código de Processo Penal estabelece que o acusado que não for pobre será obrigado a arcar com os honorários do defensor dativo fixados pelo juiz. No entanto, essa questão apresenta uma grande dificuldade na prática, considerando os riscos da advocacia criminal e, em alguns casos, a execução dos honorários pode resultar na execução do próprio advogado, especialmente em situações de acentuada periculosidade do réu.
Em arremate é preciso reconhecer que a nomeação de advogados dativos é uma medida importante para assegurar o acesso à Justiça e garantir a defesa técnica no processo penal. No entanto, é preciso que essa nomeação seja criteriosa e bem selecionada, a fim de garantir a efetividade da defesa técnica e não prejudicar o mercado da advocacia.
É responsabilidade do Estado assegurar que todos tenham acesso à justiça. Embora o papel dos advogados seja fundamental na defesa dos direitos e na garantia do acesso à justiça, é importante destacar que a maior responsabilidade cabe ao Estado em fornecer meios adequados para que as pessoas possam exercer seus direitos. Isso inclui a garantia de serviços públicos de assistência jurídica para aqueles que não têm condições de arcar com os custos de um advogado particular.
Portanto, é fundamental que o Estado fomente serviços públicos de assistência jurídica e invista na ampliação da Defensoria Pública para que ela alcance todas as comarcas, inclusive as do interior, a fim de que defensores públicos devidamente capacitados e vocacionados possam exercer a defesa dos pobres de forma efetiva e justa, sem que seja necessário recorrer à nomeação indiscriminada de advogados dativos. Somente assim poderemos garantir o acesso à Justiça para todos, sem prejudicar a dignidade e a valorização da advocacia como profissão essencial para a defesa dos direitos e da justiça social.
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