O tribunal do júri, onde são julgados crimes dolosos contra a vida, naturalmente violentos, frequentemente é cenário de discussões acaloradas entre os atores do processo penal. Infelizmente, essas discussões podem se desviar do propósito central do tribunal e se tornarem agressões simbólicas, verbais ou, até mesmo, físicas.
Um exemplo disso são os diversos vídeos virais nas redes sociais que mostram episódios lamentáveis de xingamentos, ofensas pessoais e até confrontos físicos entre os atores do julgamento. Um vídeo com centenas de milhões de visualizações mostra um promotor e um advogado saindo no tapa no tribunal do júri, enquanto a testemunha observa perplexa.
Além de agressões físicas, é comum observar violências simbólicas, como ofensas à profissão da advocacia, ao Ministério Público e a outros envolvidos no processo. Essas ofensas, muitas vezes, são utilizadas como estratégia para desestabilizar a outra parte e, assim, ganhar vantagem no debate. Essa abordagem, no entanto, é prejudicial ao ambiente jurídico e à busca pela justiça.
Nesse contexto, é imprescindível que os profissionais envolvidos no processo penal busquem conhecer e aplicar a comunicação não violenta (CNV) como uma ferramenta para melhorar o ambiente e a qualidade das interações no tribunal do júri.
Ao adotar os princípios da CNV, é possível evitar a prevalência das emoções e da agressividade, priorizando a razão e o bom senso na busca por justiça e resolução de conflitos de maneira imparcial e equilibrada.
Marshall Rosenberg, autor da obra Comunicação Não Violenta, definiu quatro componentes essenciais para uma comunicação eficiente e empática: observação, sentimentos, necessidades e pedidos. Esses princípios podem ser aplicados no tribunal do júri, melhorando a qualidade das interações entre advogados, promotores, juízes e todos os envolvidos no processo.
A observação, primeiro passo, consiste em descrever a situação de maneira objetiva, evitando julgamentos ou avaliações. Assim, os envolvidos compreendem o contexto e concentram-se no que realmente importa. Identificar e expressar os sentimentos que surgem a partir dessa situação é o próximo passo. Ao reconhecer e assumir a responsabilidade pelos sentimentos, cria-se espaço para empatia e compreensão mútua.
Identificar as necessidades subjacentes aos sentimentos e comunicá-las de forma clara e específica é a terceira etapa. Fazer pedidos claros e concretos, enriquecendo a vida de todos os envolvidos, é importante. Paralelamente, é essencial estar aberto para receber os pedidos dos outros com empatia e compaixão, estabelecendo um ambiente colaborativo e de apoio mútuo.
A empatia e a compaixão são conceitos intimamente relacionados, mas possuem diferenças significativas em sua essência e efeitos. A empatia ocorre quando nos conectamos com o sofrimento de outra pessoa e, por um momento, experimentamos aquele sofrimento como se fosse nosso. Nesse processo, nos colocamos no lugar do outro, imaginando como nos sentiríamos se estivéssemos em sua situação. Essa conexão desencadeia uma série de funções fisiológicas em nosso corpo que podem levar a um profundo mal-estar, fazendo com que soframos ao ver alguém sofrer.
Por sua vez, a compaixão consiste em um desejo sincero de atenuar o sofrimento alheio. Diferente da empatia, que se concentra na identificação da dor, a compaixão abrange também a prontidão para agir em benefício da pessoa aflita. Esta postura compassiva, embasada na neurociência e não somente em conceitos religiosos, resulta na liberação de substâncias em nosso cérebro que nos infundem uma sensação de força e habilidade para ajudar. Dessa forma, ao nos conectarmos com o sofrimento do próximo, vivenciamos um pouco da angústia, porém rapidamente nos direcionamos para um espaço interno diferente, em busca de formas para amparar a pessoa a enfrentar sua situação de maneira menos dolorosa.
Rosenberg também destaca a importância de expressar a raiva de forma plena e responsável, utilizando-a como uma força para proteger e estabelecer limites saudáveis. Isso pode ser realizado identificando as necessidades não atendidas que geram a raiva e, posteriormente, comunicando-as de maneira assertiva e respeitosa.
Na prática, a não utilização de algemas, conforme previsto na Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal (STF), e a troca do uniforme prisional por roupas comuns, conforme estabelecido no artigo 474 do Código de Processo Penal, estão relacionadas à comunicação não violenta no tribunal do júri. Ambos os elementos - algemas e roupas prisionais - simbolicamente comunicam que o indivíduo é perigoso e podem influenciar negativamente a percepção dos jurados. Ao adotar medidas como essas, busca-se garantir um julgamento mais justo e imparcial.
Por outro lado, a Lei nº 14.245, promulgada em 2021, visa proteger vítimas e testemunhas no processo penal, estabelecendo mecanismos de proteção e respeito às partes envolvidas. Esses exemplos demonstram a crescente preocupação em aplicar os princípios de comunicação não violenta no processo penal, que engloba o tribunal do júri, criando um ambiente mais respeitoso e propício à justiça para todos os envolvidos.
Em casos recentes defendidos por nosso escritório, a CNV foi utilizada para lidar com apartes desnecessários feitos pelo promotor de justiça e abordar a complexidade emocional de casos sensíveis, como o de uma jovem acusada de tirar a vida de um idoso e uma mãe acusada de ser responsável pela morte do próprio filho.
Essa abordagem permitiu que os julgamentos ocorressem de forma mais respeitosa e sensível, levando em consideração a dor e o sofrimento de todos os afetados pelos crimes. Ao utilizar a CNV, buscamos estabelecer uma conexão emocional com os jurados e com todos os envolvidos no julgamento, expressando a dor e o sofrimento das partes, bem como a complexidade dos casos. Essa abordagem permitiu que o tribunal do júri considerasse os aspectos emocionais envolvidos, em vez de se concentrar apenas nos fatos técnicos.
Ao implementar a comunicação não violenta no tribunal do júri, criamos um ambiente mais propício para a justiça restaurativa e a promoção de uma cultura de paz. Adotando essa abordagem, contribuímos para a construção de um sistema legal mais humano e equilibrado, capaz de enfrentar os desafios da sociedade atual de maneira mais efetiva e justa.
Assim, a comunicação não violenta no tribunal do júri, focando em respeito, empatia e compreensão das necessidades e sentimentos das partes, pode transformar a justiça, tornando-a mais humana e sensível.
Referencia bibliográfica
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Editora Agora, 2006.
Excelente texto Adenilson.