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Nelson Hungria vs. Rui Barbosa: Perspectivas distintas sobre o Tribunal do Júri

No Direito, muitas vezes encontramos opiniões diferentes sobre um mesmo assunto, e o Tribunal do Júri é um bom exemplo disso. Neste texto, vou contar uma história que mostra como opiniões distintas podem aparecer de forma surpreendente no Tribunal do Júri. e no mundo jurídico


Nelson Hungria e Rui Barbosa, dois dos maiores juristas brasileiros
Nelson Hungria e Rui Barbosa, dois dos maiores juristas brasileiros


Certa vez, participei de um julgamento em que o promotor de justiça proferia uma citação emblemática de Nelson Hungria: "O homicídio é o crime por excelência". A citação ecoou na sala enquanto o promotor discorria eloquentemente sobre o conceito de homicídio e elogiava o célebre penalista.


Entretanto, prontamente interrompi o promotor de justiça em um aparte fulminante. Lembrei a todos que, apesar das contribuições de Nelson Hungria para o direito penal, era notório que ele era um crítico ferrenho do Tribunal do Júri. Citei que certa vez Nelson Hungria disse que o Tribunal do Júri era uma "falência irremediável", "um cadáver em putrefação" e que combateu o tribunal popular durante toda a vida.


O trecho a seguir foi retirado da página 63 da obra "Memória Jurisprudencial - Ministro Nelson Hungria", escrita pelo professor Luciano Felício Fuck. Este livro apresenta os dados biográficos e a produção jurisprudencial do Ministro Nelson Hungria:


(...) É verdade, Senhor Presidente, que o Tribunal do Júri é uma falência irremediável. O Tribunal do Júri, no Brasil, é uma vergonha, um atentado à nossa civilização jurídica. Somente condena, ainda mesmo os inocentes, quando a imprensa sensacionalista o reclama ou as paixões políticas o exigem. Será inútil para reabilitá-lo a “Semana do Júri”, que se está anunciando para os próximos dias, pois não é possível galvanizar-se um cadáver em putrefação (...). (Voto no RC 1.024/RJ, rel. min. Barros Barreto, Pleno, 7-8-1957.)


O promotor, surpreso e sem jeito, rapidamente mudou de assunto. Essa situação inusitada mostra a complexidade do debate em torno do Tribunal do Júri e como juristas diferentes podem abordar o tema de maneiras distintas.


Vamos refletir um pouco sobre as diferentes opiniões em relação ao Tribunal do Júri, observando o pensamento de dois grandes juristas brasileiros: Rui Barbosa (1849-1923) e Nelson Hungria (1891-1969).


De um lado, temos Nelson Hungria, que via o Tribunal do Júri como uma instituição falida, influenciada pela imprensa sensacionalista e por paixões políticas. Ele acreditava que o júri condenava inocentes e absolvia culpados devido a essas influências externas. Sua experiência pessoal como promotor de acusação provavelmente contribuiu para essa visão crítica.


O artigo "A eloquência farfalhante da tribuna do júri", de autoria do Doutor em História do Direito Ricardo Sontag, explora as críticas de Nelson Hungria ao tribunal do júri, ressaltando sua intensa resistência ao bacharelismo liberal que marcou a Primeira República no Brasil.


Segundo Sontag (2009), O Ex Ministro do STF acreditava que o Tribunal do Júri era um local de reprodução da retórica típica do bacharelismo, o que era visto como um problema diante da necessidade de garantir a efetiva aplicação da lei. Ele defendia a importância do tecnicismo jurídico-penal e da autoridade da lei e da ciência para a aplicação correta da justiça.


O artigo fala sobre a crítica de Nelson Hungria à retórica do advogado do júri, que ele acredita ter criado um direito penal "romântico e emocional", voltado apenas para o sucesso nos julgamentos. Nelson Hungria acreditava que a influência da oratória do júri havia distorcido o direito positivo, que acabou sendo reduzido a letra morta pelo arbítrio e lógica de sentimento do tribunal popular. Para ele, o Tribunal do Júri havia desorientado a justiça ministrada pelos juízes de fato, tornando o Código Penal de 1890 em um espantalho ridiculamente desacreditado.


Além disso, ele criticava a influência das teorias revolucionárias da "nova escola penal", que circulavam livremente nos recintos do Tribunal do Júri, e a literatura psiquiátrica que acreditava identificar patologias nas discordâncias de conduta. Em resumo, Nelson Hungria era crítico do Tribunal do Júri e acreditava que sua retórica havia prejudicado a aplicação da lei.


Já Rui Barbosa tinha uma opinião bem diferente. Ele defendia o Tribunal do Júri como um instrumento de democracia. Para ele, a participação de cidadãos comuns na busca por justiça era essencial para o fortalecimento da República.


Rui Barbosa também diferenciava os detratores e reformadores do júri. Para ele, muitos dos reformadores, na verdade, queriam a abolição do Tribunal do Júri sob o pretexto de modernização do sistema judiciário. Ele acreditava que a abolição do júri seria um grande retrocesso, pois retiraria do povo o poder de participar ativamente da administração da justiça e escolher seus próprios julgadores.


Em sua visão, o júri era um instituto indispensável para a defesa da liberdade e para a proteção do cidadão contra a tirania do Estado. Rui Barbosa defendia que o Júri precisava ser aprimorado, mas nunca abolido.


Recentemente, o ministro do STF Dias Toffoli também se manifestou contra o Tribunal do Júri, reacendendo o debate sobre sua eficiência e relevância no sistema judiciário brasileiro.


É importante lembrar que o Tribunal do Júri é uma parte fundamental da nossa democracia, garantido pela Constituição Federal. Ele é responsável por julgar crimes contra a vida e é formado por sete jurados escolhidos aleatoriamente na sociedade.


Na minha opinião, o que está em crise não é o júri em si, mas sim a defesa e o respeito à lei e à Constituição Federal. O Tribunal do Júri é uma instituição de justiça e não deve ser usado apenas para satisfazer o sentimento de impunidade da sociedade.


Muitas vezes, as críticas ao júri vêm de pessoas que não entendem sua verdadeira essência. É no Tribunal do Júri que o Direito se torna real, onde a defesa tem voz e onde é possível denunciar todas as ilegalidades cometidas durante o processo. O julgamento por sete pessoas leigas tem grande chance de ser razoável.


O Júri não é problema, é solução. Precisamos garantir uma formação crítica adequada e uma postura responsável dos envolvidos, mas não podemos permitir que, em nome da modernização, os direitos fundamentais sejam desconsiderados. O Júri é importante justamente porque ele não está falido!


Assim, o Tribunal do Júri segue como um tema que provoca debates fervorosos e reflexões entre profissionais do Direito e cidadãos. É fundamental valorizar a relevância desse mecanismo na nossa democracia e buscar aprimorar sua atuação, sem deixar de lado sua essência primordial. Afinal, a participação popular na aplicação da lei é um componente crucial para fortalecer a cidadania e a democracia no sistema judiciário brasileiro.


Referências bibliográficas:


SONTAG, Ricardo. " A eloquência farfalhante da tribuna do júri": o tribunal popular e a lei em Nelson Hungria. História (São Paulo), v. 28, p. 267-302, 2009.


FUCK, LUcIANO FELícIO. Memória jurisprudencial Ministro Nelson Hungria. Supremo Tribunal Federal, 2012.


BARBOSA, Ruy. O júri sob todos os aspectos: textos de Ruy Barbosa sôbre a teoria ea prática de instituição. Editora Nacional de Direito, 1950.






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